Transístor de papel: a descoberta que já revoluciona o mundo

Ideias arrojadas e inovadoras a nível mundial dão-lhe trabalho, prémios, medalhas e, acima de tudo, reconhecimento. Têm sido assim os últimos anos da carreira da investigadora, que conta já com mais de meia centena de patentes. Dez já estão registadas.

Elvira Fortunato, diretora do Cenimat - Centro de Investigação de Materiais da Universidade Nova de Lisboa não esconde que a ciência passou por uma fase menos boa com a troika em Portugal, um facto que "teve efeitos nefastos em termos da investigação científica".Transístores, circuitos integrados, óxidos semicondutores, nano-escala, impressoras a jato de tinta e até bactérias que produzem celulose, com materiais de baixo custo, abrem outras portas na investigação.

Ainda assim considera que a ciência tem evoluído positivamente. Recentemente foi também a primeira cientista portuguesa a receber a medalha Blaise Pascal, atribuída pela Academia Europeia de Ciências.

Chegar às empresas tem sido um percurso difícil, mas a equipa desta investigadora portuguesa está a desenvolver um projeto com a maior indústria nacional - e também europeia - da área do papel.

A nível internacional têm uma patente com a Samsung na área da eletrónica, em que os transístores vão ser usados na nova geração de mostradores.
Sem adiantar pormenores, Elvira Fortunato revelou ao site da RTP que tem já fortes contactos na área das análises clínicas e na área das embalagens, com empresas nacionais e multinacionais. Uma para fazer testes de diagnóstico (sangue, malária, leishmânia, colesterol, entre outros) e outra para fazer embalagens inteligentes.

O que é o Cenimat?

"O Cenimat é um centro de investigação de materiais que nasceu na década de 90 e atualmente pertence a um laboratório associado. Em 2006 juntámo-nos aos colegas da física de Aveiro e do Minho. Estes três centros tinham tido uma avaliação excelente porque desde a altura do professor Mariano Gago que os centros de investigação, a nível nacional, são avaliados por painéis internacionais e isso foi muito bom. Permitiu organizar a ciência em Portugal e, por outro lado, o financiamento que nós recebemos da Fundação para a Ciência e Tecnologia é indexado à classificação que temos. É um sistema competitivo, perfeitamente justo.

"Face às boas classificações que tivemos no passado e face à complementaridade que tínhamos nas áreas científicas, juntámo-nos e fizemos um Instituto na área das nanotecnologias. Instituto esse que tem vindo a trabalhar, especialmente, na área dos materiais avançados, nano fabricação e simulação. Na última avaliação que decorreu em 2013/2014 nós tivemos a nota de excecional. Esse reconhecimento é muito bom. Trabalhamos bem, queremos continuar a trabalhar e já para o ano vamos novamente ser avaliados.
"Nós usamos o papel como material de eletrónica, coisa que nunca tinha sido feita no mundo".

No meu grupo em particular, trabalhamos mais na área da microeletrónica e com materiais semicondutores. Portanto, tudo o que seja o fabrico de eletrónica, em eletrónica de papel. Nós usamos o papel como material de eletrónica, coisa que nunca tinha sido feita no mundo. O papel é uma componente eletrónica. Nós aqui usamos o papel para tudo menos escrever. O papel é muito mais nobre".

Em 2008 conquistou o maior prémio de sempre dado a um investigador português, o que foi feito de lá para cá?

"Basicamente, trabalhamos na área dos materiais avançados, utilizados na eletrónica transparente. São materiais funcionais, que permitem ter uma determinada função mas, para além disso, o Cenimat está dividido em três grupos de investigação: grupo de materiais da eletrónica e nanotecnologias, grupo de materiais estruturais que trabalha mais na área dos metais, materiais cerâmicos e também materiais culturais (vidros) e temos um grupo de materiais moles, biomateriais e cristais líquidos.
"Nunca fiz nada de especial para chegar onde cheguei. A única coisa que eu tenho feito é trabalhar, trabalhar e trabalhar".

O laboratório cresceu imenso. O prémio veio acompanhado de um valor monetário elevado. Foram 2,25 milhões de euros que permitiram fortalecer o laboratório. Praticamente metade desse valor foi para a aquisição de um microscópio eletrónico de alta resolução e, por outro lado, permitiu também contratar pessoas para trabalhar na área da eletrónica transparente a cinco anos.

O dinheiro traz mais dinheiro, mas não foi só o dinheiro. Foi todo o reconhecimento científico e isso catapultou-nos para um outro patamar em termos de investigação científica".

O que é que a despertou para a ciência?

“Não gosto muito de programar a minha vida a longo prazo ou dizer: eu quero ser isto eu vou ser aquilo. As coisas na minha vida aconteceram todas de uma forma muito natural. Nunca fiz nada de especial para chegar onde cheguei. A única coisa que eu tenho feito desde que acabei o meu curso e comecei a trabalhar foi trabalhar, trabalhar e trabalhar.

Eu não tinha objetivos concretos. A hipótese de ser cientista quando eu era pequenina não se colocou, mas quando eu acabei o liceu e entrei para a Universidade, uma coisa eu sabia: queria seguir engenharia porque é exatamente nessa área que eu me sinto bem".

"Eu gosto de fazer coisas. Não só descobrir mas fazer coisas que sejam úteis para a sociedade, daí que a nossa área de investigação seja muito aplicada. Fazemos muitas coisas relacionadas com dispositivos, biossensores e transístores, que de alguma forma estão muito próximas da indústria, daí ser fácil para nós ter contratos, projetos, e de alguma forma passar aquilo que fazemos aqui dentro das quatro paredes, não só para Portugal mas para o mundo inteiro".

Tem sido fácil chegar às empresas?

"Chegar às empresas, nomeadamente às portuguesas, tem sido um percurso difícil mas, neste momento, estamos a trabalhar com o grupo Portucel. Ganhámos agora um projeto no âmbito do PT 2020 e estamos a trabalhar com a melhor e maior indústria da área do papel nacional e também europeia, o que é muito bom.

Aquilo que vamos fazer no âmbito desse projeto é explorar até que ponto se pode funcionalizar o papel, que é produzido neste momento e que é basicamente para fotocópias e papel de impressão. O objetivo é tentar usar esse papel também para a área da eletrónica e embalagens.
Há uma tendência mundial muito grande para substituirmos a maioria das embalagens de plástico por embalagens à base de papel porque temos também um problema mundial: os oceanos estão cheios de plásticos, que duram mais de 100 anos, com todos os problemas que isso acarreta.
"Ganhámos agora um projeto no âmbito do PT 2020 e estamos a trabalhar com a melhor e maior indústria da área do papel nacional e também europeia".

Imagine que eu quero ver um pedacinho de papel aqui dentro do microscópio. Ele é muito transversal e deve cobrir as áreas todas, até analisar peças metálicas defeituosas que são responsáveis pelos airbags, por exemplo. Nós já identificámos um problema crítico de uma empresa alemã que disse que a empresa portuguesa é que estava a fazer o trabalho mal feito. Depois descobriu-se que a empresa alemã estava a comprar essas peças metálicas a uma empresa chinesa. Os airbags mesmo sem impacto abriam porque as molinhas partiam.

Desde ver esse tipo de coisas neste microscópio, a identificar esses problemas, essas doenças se quiser, também podemos ver bactérias. Nós temos neste momento trabalhos com diversas bactérias: as que produzem fibras de papel como as bactérias que estão no vinagre e as que permitem o fabrico de uns biopolimeros a partir de uns resíduos.

Um biopolímero pode ser usado também em biossensores, em embalagens específicas. Portanto, é um resíduo que é transformado num material de elevado valor acrescentado. Sem este equipamento era impossível progredir tanto. Este microscópio é único a nível nacional".
"Fazer um transístor é como fazer um bolo"
"Eu costumo dizer que fazer um transístor é como fazer um bolo. Eu preciso para fazer um bolo de farinha, ovos e açúcar. Para fazer o transístor preciso também de materiais isolantes, materiais condutores e materiais semicondutores. Neste caso, o isolante é o papel.

O papel não conduz eletricidade. É um material isolante, eletrónico. Então fizemos os transístores e passamos para circuitos mais completos já em papel.

"Temos um protótipo que foi feito no âmbito de um projeto europeu, em que não só temos transístores mas sensores e um mostrador. Isto era utilizado para a deteção de um gás tóxico e depois no mostrador podem aparecer as palavras: “attention”, “dangerous”. Aqui pode ver-se que nós integramos o transístor com outros componentes."Para além da eletrónica de papel, mais recentemente, começamos a trabalhar na área dos biossensores. São feitos numa impressora laser, cujo tonner é cera."

Para além da eletrónica de papel, mais recentemente, começamos a trabalhar na área dos biossensores. Aqui a ideia é nós termos também sensores em papel, a um custo muito reduzido e neste caso em particular são feitos numa impressora laser, cujo tonner é cera. A tinta é cera como lápis de cera.

Nós usamos esta cera para imprimir um determinado padrão. Neste caso pode ser um sensor em que em cada uma destas pontinhas eu vou determinar qualquer coisa: glucose, colesterol, aquilo que eu quiser. São testes de diagnóstico rápido e a um baixo custo. Pelo facto de ser em papel tem a grande vantagem de que no fim queima e não tem problemas de contaminação. Além disso, foram feitos para serem compatíveis com as máquinas que já existem no mercado".
Nanofibras a partir de bactéria do vinagre
Ainda na área do papel, neste momento, estamos a trabalhar com uns colegas da Universidade do Minho que trabalham com umas bactérias que são as bactérias do vinagre. Produzem nanocelulose que são fibras também de celulose mas com uma dimensão mais pequenina, com um grau muito elevado de pureza e sem defeitos porque normalmente a natureza é perfeita. “São fibras de celulose mas com uma dimensão mais pequenina, com um grau muito elevado de pureza e sem defeitos porque normalmente a natureza é perfeita”.

Como as fibras são muito pequeninas, são nanofibras, o papel é transparente, é quase papel vegetal. Isso para nós foi muito engraçado porque trabalhávamos na área da eletrónica transparente, trabalhávamos na área do papel, então aqui juntámos as duas. Podemos ter eletrónica transparente em papel transparente.

Em termos de sustentabilidade, nós não precisamos de estar à espera quatro ou cinco anos que o eucalipto ou o pinheiro cresça para depois ser cortado e depois ter que utilizar toda aquela indústria pesada, química, para extrair da madeira a celulose. Eu aqui tenho as bactérias. Elas durante dois a três dias fazem folhas de papel. É numa escala diferente, mas sobretudo são alternativas sustentáveis.




Nós fazemos exatamente a mesma coisa que fazemos com o papel normal: células celulares, fotovoltaicas, transístores e testes de diagnóstico. Podemos fazer exatamente a mesma coisa ou até melhor, usando a nano celulose, as nano fibras produzidas pela bactéria do vinagre".
Tetra solar a baixo custo
“A tecnologia não coloca qualquer tipo de impedimento. Inicialmente quando começámos a trabalhar na área do papel, sendo o papel um material barato, nós tínhamos que utilizar tecnologias para fazer os dispositivos em papel também baratos, então iniciámos o trabalho com simples impressoras a jato de tinta.

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